O eterno fascínio das bailarinas de Degas

Ballet & Arte

Por: Tânia Kury (@Takuca )

Se eu disser: “Edgard Degas”, qual o primeiro pensamento que vem a sua cabeça ?Ah… o “pintor das bailarinas” deve ser a resposta!


Quem, pela 1ª vez, se referiu a Degas desta forma foi Édouard Manet, outro grande pintor francês e um dos iniciadores do movimento moderno na pintura.

E tem sua razão de ser: estima-se que Degas tenha deixado cerca de 1.500 obras ( entre pastéis, gravuras, desenhos, esculturas ) sobre o tema das bailarinas.


Ao ler isso, a gente pensa: uau! ele devia a-do-rar ballet, como nós 😉 Certo? Nem tanto!

Acontece que, no início do século XIX, o teatro era uma das opções favoritas de lazer, além de ser um ótimo lugar para “ver e ser visto”.

Concentrava aristocratas, artistas, banqueiros e mecenas interessados não apenas nas performances no palco, mas também nas “conversas” privadas com as artistas, nos bastidores, após as…

Ver o post original 617 mais palavras

Os 100 anos da “SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA”

Tags

, , , , , , , , , , ,

BAC041_BAC441-LeSacre4-500x332

fonte da foto: divulgação BelAir Classiques

2013 marca o centésimo aniversário da estreia da “Sagração da Primavera”.

Quem está acostumado ao que normalmente eu posto aqui pode se chocar com as fotos e o vídeo de hoje.

Diaghilev_Stravinsky698x400

Diaghilev e Stravinsky

Com música de Igor Stravinsky, composta especialmente para o “Ballet Russes” de Diaghilev, a “Sagração da Primavera” teve coreografia original de Vaslav Nijinsky. A linguagem coreográfica de Nijinsky, no entanto, foge completamente de tudo o que foi visto até o momento.

08440_show_landscape_01

A coreografia é quase um “anti-ballet”, Nijinsky praticamente desconsidera tudo o que caracterizava o ballet até aquele momento, indo em busca de efeitos e sensações diferentes dos tão almejados efeitos: aéreo e imaterial do Romantismo; e espetacular e “esquematizado”  (acadêmico) do período clássico (representado por Petipa), pra citar apenas dois exemplos.

Totalmente oposto a estes, a “Sagração da Primavera” é um ballet que faz fortes referências ao primitivismo e a seus rituais, sendo todo “atraído para a terra”, para o solo, e não mais para o ar.

Não poderia ser diferente, já que a primavera surge da fecundação, da germinação e do florescimento do solo e, portanto, este é o ambiente onde a ação coreográfica se desenrola, em movimentos “en dedans” ( com pés paralelos ou ligeiramente virados para dentro ), repletos de aspectos ritualísticos.

rite of spring 1

bailarinos do “Ballet Russes”, de Diaghilev, na montagem original.

A coreografia original, que nunca foi documentada por Nijinsky, desencadeou um escândalo tal, que foi tirada de cartaz após oito apresentações.

2013-01-30-2_Joffrey_1987_cortada

—foto da reconstrução, feita pelo Joffrey Ballet

Como é de se esperar, as referências primitivas na música, nos figurinos, cenários e na coreografia chocaram a sociedade da época.

Da produção original, somente a música de Stravinky sobreviveu e conseguiu, em voo solo, conquistar com sua força orquestral, as salas de concerto.

Cenários e figurinos criados, na época, por Nicholas Roerich foram guardados e tiveram seu uso restrito ao documental, tendo que esperar por muitos anos para servirem de referência para uma futura produção.

2

—Pano de fundo de Nicholas Roerich , para a versão original da “Sagração da Primavera”

9

Figurinos de Nicholas Roerich , para a versão original da “Sagração da Primavera”

abaixo: Marie-Claude Pietragalla, na montagem do Ballet do Ópera de Paris.

A 1ª reconstrução:

joffrey-ballet-right-of-spring

Momento da remontagem do Joffrey Ballet, da “Sagração da Primavera”

Na década de 1980, Millicent Hodson e Kenneth Archer, coreógrafo e historiador de arte respectivamente, estudaram toda a documentação disponível a respeito da produção original da “Sagração da Primavera” e reconstruíram-na, aproximando-se o máximo possível da versão original, para o Joffrey Ballet, de Nova Iorque.

arts_ballet_74882807_54832c

Reconstrução dos figurinos originais.

untitled

reconstrução dos figurinos originais

O trabalho de reconstrução gerou polêmica e controvérsia, mas continuou sendo aprimorado por Hodson, tendo sido encenado mais tarde pelo Ballet do Teatro Mariinsky (ex Ballet Kirov). Esta produção foi filmada e faz parte do DVD:  “Stravinsky and the Ballets Russes

512Acj-eFcL__SL500_AA300___46641_std

Desde 1995, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro detém os direitos exclusivos da coreografia no Brasil. Nesta época foram realizadas duas temporadas de grande sucesso de público e crítica.

Cartaz_sagracao%20primavera_PRESS

cartaz de divulgação da temporada.
Fonte: Site do TMRJ

Dezoito anos depois desta temporada, a obra volta ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, agora acompanhada de outros ballets, também emblemáticos dos Ballets Russes: L’après-midi d’un faune – coreografia de Vaslav Nijinski com música de Claude Debussy e Le Spectre de la Rose, coreografia de Michel Fokine com música de Carl Maria von Weber, ambos com remontagem de Tatiana Leskova tamém fazem parte desta temporada “Diaghileviana”, do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Programa TMRJ:

Le Spectre de la Rose
Música: Carl Maria Von Weber
Coreografia: Michel Fokine
Cenário e Figurinos: Léon Bakst
Poema: Theophile Gautier
Remontagem: Tatiana Leskova
Solistas:
Espectro: Cícero Gomes ou Filipe Moreira ou Moacir Emanoel
Jovem: Ana Botafogo ou Cecília Kerche ou Márcia Jaqueline ou Karen Mesquita ou Priscilla Mota

L’Après Midi d’un Faune
Música: Claude Debussy
Coreografia: Vaslav Nijinsky
Cenários e Figurinos: Léon Bakst
Remontagem: Tatiana Leskova
Solistas:
Fauno: Bruno Cezario (bailarino convidado) ou Edifranc Alves ou Moacir Emanoel
Ninfa: Deborah Ribeiro ou Priscila Albuquerque ou Renata Tubarão

Dias 19, 24, 25, 26, 29 e 30 de outubro, às 20h
Dias 20 e 27 de outubro, às 17h
A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA / 100 ANOS
Ballet e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

CONCERTO: Uma homenagem à expressividade de Lynn Seymour

Tags

, , , ,

Concerto – 2º movimento – adagio com Marianela Nunez and Rupert Pennefather, numa gravação do Royal Ballet de Londres .

Este é um pas de deux que merece ser degustado… ser apreciado a cada pose, a cada transição, a cada acorde.

A música, um lindo adágio para piano de Dmitri Shostakovich, faz o convite inicial para este mergulho num universo intimista de delicadeza e quietude.

É um trecho de imensa sensibilidade, que nos levará pra longe, se nos deixarmos transportar pela beleza da música e pela sutileza da coreografia.

Este belíssimo pas de deux foi inspirado em movimentos do dia a dia, que a grande bailarina inglesa Lynn Seymour realizava durante aulas e ensaios. Por isso a metáfora sutil que, em alguns momentos, faz dos braços do partner a “barra”, que a bailarina usa como apoio em seus exercícios diários.

5868d7991bc080a3e048c83fbff45ded

Lynn Seymour em “Anastasia”- Música de Tchaikovsky, coreografia de Kenneth MacMillan, criado para o Royal Ballet.

Seymour era uma bailarina muito expressiva, seus movimentos e gestos nunca eram em vão.
Todos tinham intenção e sentimento, mesmo em sala de aula, no trabalho diário de manutenção da técnica.

2006ah5564_lynn_seymour_in_mayerling_custom_base_custom_base_custom_290x203_130564250555

Lynn Seymour em “Mayerling”, Royal Ballet, 1978

PAS DE DEUX (parte II): Da supremacia da prima ballerina, ao GRAND PAS DE DEUX.

Tags

, , , , , , , , , , , , ,

paquita

Altynai Asylmuratova e Faroukh Ruzimatov no Grand Pas de deux de “Paquita”.

O processo que levou o ballet do Período Romântico a adquirir as novas características que fariam dele o “Ballet Clássico” foi condicionado por várias circunstâncias entre elas:

– O desenvolvimento de novos tecidos;

– A implantação de figurinos mais leves e, posteriormente mais curtos ( tutu clássico), que permitiram uma gama maior de movimentos;

2006AY9460_jpg_l

uma réplica de um tutu romântico, como o que teria sido usado por Taglioni.

– A consolidação e o enriquecimento da técnica de ponta;

TaglioniSlippers

Réplica dos sapatos de ponta nos primórdios de seu desenvolvimento.

– E, especialmente, as alterações na sociedade e o ingresso de um novo público que passaria a “consumir” espetáculos de ballet.

Embora tenha nos deixado jóias como “La Sylphide” e “Gisele”, o Ballet no séc. XIX (Ballet Romântico) experimentou, a exemplo de todos os períodos em todas as formas de arte, um esgotamento de seus temas e uma saturação em alguns aspectos de sua linguagem, ou melhor da “fórmula Romântica”, que se cristalizou e não conseguiu continuar despertando o interesse do novo público que estava surgindo.

A sociedade da época passava por uma transformação, com crescente avanço da chamada “burguesia”, classe que passava também a controlar bens e riquezas e a consumir arte, fazendo-o, porém, de acordo com seus padrões e gostos, os quais eram bem diferentes dos da monarquia, que crescia exposta à manifestações artísticas elaboradas, mais profundas e complexas, baseadas em mitos e em textos com conteúdo moral ou seja: mais eruditas.

A arte conceitual, fiel à representação de um tema, com o objetivo de difundir valores e provocar uma reflexão, estava com os dias contados.

Por esta razão, o ballet precisou ajustar-se a nova demanda do mercado, deixando-se diluir, no que dizia respeito aos temas complexos e reflexivos e fortalecer-se, no que dizia respeito à técnica, que deveria ser cada vez mais acrobática, chamando a atenção para manobras como saltos, giros e portés (carregamentos) desafiadores.

Bolshoi_Ballet_Pharaohs_Daughter

“A Filha do Faraó” – 1º grande ballet criado por Marius Petipa, numa montagem do Ballet Bolshoi ( recriação Pierre Lacotte)

Fazia-se necessária uma nova etapa no desenvolvimento da linguagem e da técnica do ballet, a qual deveria torna-lo mais “espetacular”.

pre_1350148229_bolshoi-raymonda-8_photo-marc-haegeman

Os ballets de agora deveriam primar por aspectos mais “populares”, como o charme, o brilhantismo (técnico), a elegância e a personalidade mesmo que, ao atender estas exigências, a ação, a coerência dramática, e a representação fiel do libreto ( história) se perdessem.

O público queria ballets mais fáceis.

A Supremacia da Bailarina:

A “Supremacia da Bailarina”, recém-conquistada, permaneceria mais forte do que nunca!

Estabelecido durante o período Romântico, o endeusamento da bailarina estava ligado ao papel que esta desempenhava nos ballets românticos, onde incorporava seres fantásticos, imateriais e inatingíveis.

Estes atributos acabavam sendo “transferidos” para as bailarinas, que no entender do público, passavam a representa-los também fora dos palcos.

Elas foram transformadas em estrelas. Seus modos de vestir e de pentear lançavam moda e eram copiados. Marie Taglioni, por exemplo, foi considerada um “modelo” dentro e fora dos palcos, influenciando toda uma geração.

maire-taglioni-biography

Marie Taglioni, bailarina para a qual foi criado o papel da Sílfide, em “La Sylphide“.

A bailarina reinava dentro e fora dos palcos, relegando o bailarino a um segundo plano distante, cumprindo apenas o papel de apoio, de “elevador” e de “acompanhante”.

Esta situação, de grande distância em importância e de defasagem no desenvolvimento da técnica, começará a ser questionada e, de certa forma, combatida no Ballet Raymonda, de Marius Petipa, que incluiu, pela 1ª vez, uma variação para quatro primeiros bailarinos (LIFAR, 1954, p.156).

petipa

O brilhante coreógrafos francês, radicado na Rússia, MARIUS PETIPA.

Caberá também a Petipa a definição da “fórmula” para um “novo ballet” que voltará a agradar o público.

Sobre este aspecto do favorecimento da bailarina, com total detrimento do bailarino, Serge Lifar comenta em seu History of Russian Ballet:

Sob estas circunstâncias, a dança masculina e o drama coreográfico eram vistos como cansativos e enfadonhos.
Ao coreógrafo era requerido que atendesse a um único requisito:

Contemplar o gosto da bailarina.

Os ballets tinham que ser feitos sob medida e à “estrela” era assegurado o direito de pedir que trechos da coreografia que não a favorecessem fossem suprimidos ou substituídos por outros “emprestados” de ballets dançados anteriormente

Considerando este cenário, não surpreende o fato de Petipa ter recebido, ao tomar posse como coreógrafo chefe a recomendação de fazer “tudo o que fosse necessário para agradar a bailarina”.

Outra “recomendação” foi para tornar os ballets mais acrobáticos, concentrando esforços nas demonstrações da técnica, com saltos, equilíbrios nas pontas e giros desafiadores.

Criou para estas “demonstrações técnicas” os divertissements que constituíam pequenas coreografias cuja prioridade era a exibição técnica, mesmo que sem nenhuma ligação com a narrativa.

O diferencial de Petipa:

Petipa conhecia profundamente os bailarinos para quem criava e, para eles, coreografava solos (variações) e duetos (pas de deux) que demonstravam, com exatidão, as qualidades particulares de cada um.

62886_10151850159922579_7151651_n

Marianella Nuñez ensaiando a versão de Carlos Acosta de “Don Quixote” para o Royal Ballet de Londres.
Don Quixote foi coreografado originalmente por Petipa.

A Bela Adormecida”, “Don Quixote” e “O Quebra Nozes” são exemplos de ballets nos quais, por meio destes divertissements, um grande número de bailarinos tem oportunidade de demonstrar sua habilidade técnica, em solos repletos de virtuoses e desafios.

American Ballet Theatre

Pas de deux do 1° ato de “Don Quixote“, numa montagem do American Ballet Theatre.

1roberta-marquez-and-valerihristov-in-the-nutcracker-photo-by-dee-conway-e1258928090448

A brasileira Roberta Marquez e Valeri Hristov na versão do “Quebra-Nozes”, encenada pelo Royal Ballet de Londres. Foto: Dee Conway / ROH ©

Esta etapa da evolução da linguagem da dança foi consequência: do surgimento de novos passos e arranjos; do amadurecimento do trabalho nas pontas e da alteração dos figurinos, que agora tinham com saias mais curtinhas (os tutus clássicos).

euLkmade-to-order-classical-ballet-tutu-nutcracker-snow

O tutu “clássico” com a saia curtinha permitiu à bailarina a realização de uma gama muito maios de movimentos, tanto em solos, quanto nos Pas de Deux.
A apresentação da bailarina para o Pas de Deux final dos ballets vestindo um tutu clássico também era uma constante na “FÓRMULA DE PETIPA”.(FARO, 1986)

Este conjunto de avanços revitalizou o ballet e ajudou-o a conquistar a plateia emergente.

É importante que se diga, porém, que estes novos aparatos técnicos pouco contribuíram para a arte da dança como um todo, tendo deixado de lado a relação entre o conteúdo exibido pela técnica e a encenação precisa do drama.

O estilo de Petipa acabou por caracterizar-se da seguinte forma: Um conjunto de divertissements, cada vez mais ricos e apurados tecnicamente, que dispensavam, quase completamente, a mímica para expressar enredo.

Em vários ballets de Petipa, estes enredos constituíam apenas uma espécie de linha mestra em torno da qual as danças eram alinhavadas e pouco se relacionavam, com o drama em si.

Esta característica, no entanto, não foi vista, pelo público da época, como uma falha e não afetou nem o sucesso, nem a grande aceitação por parte do público, dos ballets deste grande mestre.

11471_189788257861692_720917258_n

Grand pas de deux de “A Bela Adormecida”, de Petipa, com música de Tchaikovsky.

Esta fórmula de Petipa, centrada prioritariamente na dança, fez com que o ballet se desenvolvesse numa escala sem precedentes, no que diz respeito à criação de novos passos e ao aumento da virtuosidade técnica.

Com relação ao desenvolvimento da técnica, na era de Petipa, Antônio José Faro comenta, em “Pequena História da Dança” (p. 75):

… E foi exatamente através do conhecimento técnico que ele nos legou obras que até hoje são o grande privilégio das grandes estrelas da dança.

Isto não quer dizer que ele tenha transformado a dança em acrobacia (…) mas é possível que soubesse que existem na dança, movimentos pertencentes, de certo modo, ao reino da acrobacia e que, como todas as artes roubam uma das outras, não haveria mal algum em incorporar à técnica do ballet efeitos que até então poderiam ser classificados como circenses.

O equilíbrio da bailarina nas pontas dos pés ou a execução dos 32 fouettés são alguns exemplos de coisas que hoje consideramos absolutamente normais num palco, mas que, na época, foram classificadas como TRUQUES DE CIRCO!

O pequeno vídeo abaixo trata da criação dos 32 fouettes, por “Pierina Legnani”, uma manobra técnica que passou a ser praticamente obrigatória nas “codas” dos “Grand pas de deux”

Pierina_Legnani_in_Raymonda,_act_I,_1898_-__Danse_du_voile_

Pierina Legnani, na variação do 1° ato de “Raymonda” de Marius Petipa.

Nesta nova forma de “contar as histórias”, na qual as “falas eram dançadas” e equivalentes: às falas individuais, nas variações; aos diálogos, nos pas de deux e aos acontecimentos pertinentes a todos, nas danças de grupo, a arte do Pas de Deux também foi elevada a novos patamares e ganhou a tão célebre forma:

entrada+ adagio + variação masculina + variação feminina + coda = GRAND PAS DE DEUX.

Abaixo: Grand Pas de Deux do “Cisne Negro”, que faz parte do 3° ato do “Lago dos Cisnes”, com música de Tchaikovsky e coreografia de Marius Petipa.
Neste vídeo é dançado por Uliana Lopatkina e Igor Zelensky, duas estrelas que atuaram com o Ballet Kirov de São Petersburgo, por muitos anos.

Os passos recém-criados, combinados de forma genial, em suas criações coreográficas, aumentaram enormemente o impacto emocional de seus ballets perante os espectadores, despertando reações de entusiasmo e admiração e ajudando a manter viva e fascinante, uma modalidade que até pouco tempo atrás (no fim do romantismo) parecia não ter mais nada a oferecer.

Grand Pas de Deux de “Satanella” ( ou carnaval em Veneza)

Grand Pas de Deus de ” O Corsário”

Como acontece com toda fórmula que se cristaliza, a de Petipa perdeu, aos poucos, o seu encanto e, não conseguindo se reinventar ou se atualizar, caiu em declínio, a exemplo do que já tinha acontecido com a fórmula anterior (a do Romantismo).

Este declínio criou condições para o surgimento de uma nova etapa no desenvolvimento da arte da dança.

Um dos grandes responsáveis por este novo capítulo será MICHEL FOKINE, da companhia de Diaghilev, mas este será assunto para outro post!

O próximo post vai esclarecer os conceitos de “Ballet Clássico” e de “Ballet Romântico”.

PAS DE DEUX – Do galanteio na corte ao virtuosismo nos palcos ( parte I)

Tags

, , , , , , , , , , ,

18104_408879655847571_833062210_n

Tan Yuan Yuan e Vito Mazzeo em “Symphonic. Dances” com o Ballet de Hong Kong Photo by Erik Tomasson.

Pas de deux signifca passo para dois e é um arranjo comum em quase todos os ballets. O pas de deux tem sua origem remota nas danças de par, executadas nas cortes européias.

foto

Ilustração extraída de “The Magic of Dance” de Margot Fonteyn

A dança de par na corte tinha um caráter de galanteio, o qual continua presente em muitos pas de deux, principalmente em clássicos como La Sylphide, Giselle, La Esmeralda, O Corsário, posteriormente em O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida, La Bayadère, Raymonda e em muitos outros baseados em argumentos românticos, que descrevem uma conquista ou um encantamento que se transforma ( ou não ) em um romance.

399012_352752588119102_192833282_n

Diamantes” – trecho do ballet “Jóias” de George Balanchine. – Olga Smirnova e Semyon Chudin – versão do Ballet Bolshoi. Photo © 2012 Marc Haegeman/Bolshoi Theatre. All Rights Reserved.

Pas de deux do 1 o ato de “Raymonda”
Maria Alexandrova e Sergei Filin em uma “Gala” em Praga, em 2007.

O período romântico, repleto de seres imateriais, fantásticos e que podiam voar, exigiu o desenvolvimento de recursos técnicos capazes de representar esta ideia de leveza e imaterialidade.

Por um fio

Um recurso muito usado nos primeiros ballets românticos pra criar esta ilusão foram umas “máquinas voadoras” com cordas ou cabos, que elevavam e deslocavam as bailarinas, fazendo-as voar, literalmente, em cena.

tumblr_mqwpuyxvvv1rideaho4_r1_1280

“La Sylphide”, um marco do início do Período Romântico no Ballet, usa este recurso até hoje. Esta foto é de uma montagem do Ballet do Ópera de Paris.
A versão do Kirov de “Giselle” também usa cabos e plataformas suspensas na aparição das willis, no início do segundo ato.

Flore et Zéphyre” criado por Didelot, em 1796 usou e abusou deste recurso dos cabos, chegando a suspender, não apenas as solistas, mas o corpo de baile inteiro.

Foram estes cabos, neste mesmo ballet, que deixaram pela primeira vez as bailarinas ” nas pontas dos pés” ao suspendê-las até que só as pontas dos pés tocassem o chão. (KIRSTEIN,1884, p. 130)

Por causa dessa necessidade de simular o voo e a ausência de peso, a participação do partner, nos primórdios da técnica do pas de deux estava relacionada ao desejo de substituir os cabos e mecanismos pela força física do bailarino.

A bailarina, agora suspensa e apoiada pelo seu partner, ganha mais mobilidade em cena, o que cria condições para o aprimoramento da técnica do pas de deux, com consequente desenvolvimento de novos passos.

figure149

ilustração de “Flore et Zéphyre” encontrada em Four Centuries of Ballet, de Lincoln Kirstein.

Lincoln Kirstein descreve o Pas de Deux como uma unidade composta por dois complementares, que introduzem os contrastes inerentes ao feminino e masculino. Ao bailarino cabe a força e o apoio e à bailarina, a leveza e a agilidade.

Em um pas de deux, o bailarino permite que a bailarina realize saltos, equilíbrios, promenades e giros múltiplos, que seriam impossíveis sem o auxilio de um partner.

556411_389349674459393_2094921108_n

“Diamantes” – trecho do ballet “Jóias” de George Balanchine. – Olga Smirnova e Semyon Chudin – versão do Ballet Bolshoi. – Photo © 2012 Marc Haegeman/Bolshoi Theatre.

Os ballets românticos mais tardios incorporaram ao pas de deux inovações vindas até da técnica de circo .
As bailarinas agora não são mais apenas apoiadas ou levantadas pelos seus partners; elas realizam pequenas acrobacias: pulam e sentam-se em seus ombros, entre outras manobras da técnica circense que são incorporadas gradativamente ao ballet ( Kirstein, 1984,p. 16)

Em constante evolução

A variedade de passos e de “manobras” para pas de deux aumenta a cada dia, um sinal claro da capacidade de evolução e da adaptabilidade da técnica, que se torna mais complexa e ousada a cada dia.

11471_189788257861692_720917258_n

Aleksandra Timofeeva e Mikhail Martyniuk Kremlin Ballet Theatre – Grand Pas de deux de “A bela Adormecida

162726_184153238278518_3693148_n

Artem Ovcharenko e Ekaterina Krysanova no pas de deux da neve no 1° ato de ” O Quebra Nozes

533590_458400847528831_1267846773_n

Uliana Lopatkina e Marat Shemiunov em “Orfeu e Eurídice” de Asef Messerer. foto: Mark Olich ©

Águas Priaveris” de Asaf Messerer, com música de Rachimaninov é um pas de deux curto, com ênfase no virtuosismo técnico, cheio de levantamentos e lançamentos.
com Maria Bylova e Leonid Nikonov
http://www.youtube.com/watch?v=1-_WXkfLzWI

A interação entre os participantes em carregamentos (portés), escorregadas, promenades, piruetas e etc, realizados com velocidades e dinâmicas variadas, permite que inúmeras situações sejam representadas em um pas de deux.
A seleção de fotos e vídeos abaixo ilustra um pouco desta diversidade.

532128_411449095582784_283585636_n

Yuan Yuan Tan and Damian Smith do San Francisco Ballet, em “Ghosts” de Christopher Wheeldon, foto: © 2012 Marc Haegeman.

271067_411131998947827_308751613_n

Sarah Van Patten e Vito Mazzeo em “Trio” de Helgi Tomasson – San Francisco Ballet foto: © 2012 Marc Haegeman. All Rights Reserved

525133_479283658799327_666845012_n

Courtney Richardson e Yevgeni Kolesnik, em “Fall Outs” , de Jacopo Godani- Royal Ballet of Flanders. Foto- © 2013 Marc Haegeman.

O Pas de deux do balcão de “Romeu e Julieta” na versão de Kenneth MacMillan, com música de Prokofiev, é intenso, apaixonado, repleto de emoção.
Alessandra Ferri e Julio Bocca – American Ballet Theatre – parte do DVD- ABT Now- Variety and Virtuosity.(1998)

O pas de deux “Cruel World” de James Kudelka, é dramático, “arrastado” e sofrido, cheio de carregamentos e “manipulações” incomuns da bailarina.

A postura abandonada, quase desmaiada, exige que a bailarina deixe o tronco e a cabeça aparentemente soltos na maior parte do tempo, o que dificulta enormemente a execução dos passos e portés da coreografia.
Julie Kent e Robert Hill- American Ballet Theatre – parte do DVD- ABT Now- Variety and Virtuosity.(1998)

Voltando um pouco para os temas comuns do romantismo, o pas de deux de “La sonnambula“, aqui na versão de George Balanchine, de 1946 mostra uma situação inusitada e divertida: a bailarina ( que dança com os olhos praticamente fechados) é conduzida e “manipulada” pelo bailarino, que a faz girar, parar e correr…
Alessandra Ferri e Mikhail Baryshnikov

Os GRAND PAS DE DEUX serão o tema do próximo post.
Uma fórmula:
( entrada+ adágio+variação masculina+ variação feminina+ coda)
que assumiu inúmeras formas nos ballets criados pelo grande corógrafo francês, radicado na Rússia Marius Petipa .

Fontes de consulta:
KIRSTEIN, Lincoln. Four Centuries of Ballet. Fifty Masterworks. Dover Publications, NY, 1984
KERNER, Mary. Barefoot to Balanchine. How to Watch Dance. Doubleday, NY,1990
FONTEYN, Margot. The Magic of Dance. Alfred A. Knopf. NY. 1979

IMAGENS da Dança

Tags

, , , , , , , , , , ,

426366_10151408965294505_1953876628_n

Marcelo Gomes e Polina Semionova em Symphony #9 de Alexei Ratmansky – American Ballet Theatre . Foto: Gene Schiavone

Eu já contei aqui que fui “fisgada” pelo ballet, primeiramente, pela beleza das imagens que via nos livros ( ver o post sobre a “Bela Adormecida, a 1ª pesquisa, e o início da caçao ao tesouro” –
https://apreciandopassos.wordpress.com/2013/07/18/a-bela-adormecida-a-1a-pesquisa-e-o-inicio-da-caca-ao-tesouro/ ) que me faziam querer saber mais!

Quantos instantes de perfeição técnica e artística já foram eternizados pelas lentes de grandes fotógrafos.

A fotografia “guarda” estes instantes e permite que sejam “revisitados” e, de certa forma revividos, de acordo com a nossa vontade.

A fotografia carrega o indício do movimento: a partir do instante retratado é possível imaginar o movimento todo, se uma perna está no alto, ele deverá descer, se um bailarino foi levantado, ele deverá voltar ao chão, se estiver saltando é certo que ele vai pousar…

10_caughtcorella1ro

Angel Corella in David Parsons’ Caught. Photo: Rosalie O’Connor. © Copyright 2013 – Ballet Theatre Foundation, Inc. – All rights reserved.

Desta forma, mesmo estática, a fotografia carrega uma espécie de “potencial” do movimento, e traz em si a ideia da dinâmica, do ritmo, da alternância entre o repouso e o deslocamento.

Tanto é assim, que a foto “posada”, produzida em estúdio, dificilmente carrega a mesma intensidade emocional das imagens captadas em cena, durante apresentações ou ensaios.

Apesar das melhores condições de iluminação, a foto de estúdio é sempre mais fria, mais distante e menos convincente.

Muito diferente das fotos tiradas no teatro, nas condições reais (ou quase) de iluminação, as quais revelam-se, por sua autenticidade, muito mais comoventes, persuasivas e dramáticas.

VIIIkentcorella1ms

Julie Kent and Angel Corella in Christopher Wheeldon’s VIII. Photo: Marty Sohl. © Copyright 2013 – Ballet Theatre Foundation, Inc.

Nem mesmo a possível perda de nitidez, em função da somatória do movimento e das condições “não ideais” de iluminação, faz delas um registro menos admirável.

r&jferricarreno1gs

Alessandra Ferri and Jose Manuel Carreño in Sir Kenneth MacMillan’s Romeo and Juliet. Photo: Gene Schiavone © Copyright 2013 – Ballet Theatre Foundation, Inc.

A tecnologia digital, empregada por profissionais competentes e talentosos, tem assegurado belos registros, mesmo em condições menos favoráveis, durante as apresentações.

Antes dela, no entanto, houve fotógrafos excepcionais que driblaram as dificuldades da tecnologia analógica, com seus delicados ajustes manuais e produziram usando filme (negativo ou cromo), revelando e ampliando em papel, registros valiosos e tão expressivos que conquistaram merecidamente o status de arte.

Matha Swope foi um exemplo de profissional da “era analógica”; que teve o trabalho reconhecido e reverenciado pelo público, pela imprensa especializada e pela crítica. Um nome que permanece, até hoje, como referência na fotografia de dança.

tumblr_m2nd6yJoEe1qfj8xgo1_500

Mikhail Baryshnikov rehearsing Le Jeune Homme et la Mort with Roland Petit and Bonnie Mathis. – Photograph by Martha Swope

Ex bailarina, Martha foi uma das primeiras grandes fotógrafas especializadas em dança e teve o privilégio de registrar a era de ouro do balle clássico nos Estados Unidos: Gelsey Kirkland, Rudolf Nureyev, Natalia Makarova, Cinthia Gregory, Fernando Bujones, Mikhail Baryshnikov, Alessandra Ferri, Julio Bocca e muitos outros foram registrados por suas lentes.

Em outubro de 2012, a fotógrafa expôs seu trabalho numa grande mostra na Biblioteca pública de artes cênicas de Nova Iorque.

Abaixo, uma parte do catálogo desta exposição.

MS1

MS3

MS5

O catálogo completo está disponível para visualização neste link, no site da biblioteca: http://www.nypl.org/sites/default/files/marthaswopebrochure09262012small.pdf
O vídeo abaixo, conta mais um pouco sobre a exposição e sobre a trajetória profissional de Martha.

Os grandes nomes de hoje:

Atualmente, Gene Schiavone, Rosalie O’Connor, Mira e Marc Haegeman não nomes constantemente vistos nos créditos das mais belas fotos de dança, captadas no mundo todo.

Gene Schiavone, Rosalie O’Connor e Mira tem galerias dentro do site do American Ballet Theatre: http://www.abt.org/gallery/default.asp

SLSWANS1m

Kevin McKenzie’s Swan Lake. Photo: MIRA. © Copyright 2013 – Ballet Theatre Foundation, Inc. All rights reserved.

Marc Haegeman tem um site chamado “For Ballet Lovers Only“, onde expõe diversas galerias com fotos belíssimas. http://www.for-ballet-lovers-only.com/

Fora dos Padrões:

Indo totalmente na contramão da busca por nitidez e fidelidade de representação, Mikhail Baryshnikov tem se dedicado à fotografia, seguindo uma linha bem experimental, registrando os trabalhos de Merce Cunningham de forma nada convencional.

As fotos resultaram numa exposição intitulada “Merce My Way” composta, em sua maioria, por fotos “riscadas”, que mais se assemelham à pinturas digitais.

23maca600_1

imagem integrante da Mostra “Merce My Way”
foto: Edwynn Houk Gallery, disponível no site do “The New York Times”

No link abaixo, o bailarino detalha, num vídeo produzido pelo “The New York Times”, seus objetivos e as técnicas que empregou para a realização das fotos.

http://www.nytimes.com/interactive/2008/03/23/arts/20080323_MERCE_FEATURE.html#

23maca650_4

Mikhail Baryshnikov e as fotos que fez dos bailarinos da companhia de Merce Cunningham. Foto: Judith Levitt para o The New York Times

1° de Setembro: DIA DO BAILARINO

Tags

, , , ,

Bailarinos do English National Ballet, na coxia, durante uma apresentação de "O Lago dos Cisnes" (Foto: Ian Gavan/Getty Images Europe)

Bailarinos do English National Ballet, na coxia, durante uma apresentação de “O Lago dos Cisnes” (Foto: Ian Gavan/Getty Images Europe)

“Prelude” – Johann Sebastian Bach – interpretado por Sting e dançado por Alessandra Ferri.

Um registro despretensioso e intimista que, sem produção nem plateia, sugere que para o bailarino, o prazer da dança reside na conquista do espaço, no aprimoramento constante da técnica e nos exercícios permanentes da sensibilidade e da expressividade.

O vídeo mostra um pequeno relato da rotina diária: a chegada ao local de ensaio com as roupas de aula; o aquecimento; a raspagem da sapatilha; a concentração.

O preparo do corpo, da mente e os últimos ajustes no instrumento de trabalho.

Na sequência, uma coreografia, livre, fluida, na qual o corpo parece simplesmente responder à melodia, tornando-a visível por meio dos passos.

VERSATILIDADE: uma qualidade do ballet que muitos desconhecem.

Tags

, , , , , , , , , , , , , ,

bolshoi_ballet_golden_age03b

Este blog nasceu de uma vontade muito antiga: escrever sobre dança, mais especificamente sobre ballet.

Para alguns, o Ballet é uma modalidade artística antiquada, monótona, entediante e lenta. Não poderia haver uma visão mais equivocada… é uma modalidade artística com uma vasta gama de passos, realizáveis com dinâmicas e ênfases variáveis, os quais constituem um verdadeiro vocabulário, capaz de narrar os mais diversos temas:

Desde os mitológicos, como em “Sílvia”, passando pelos feéricos como em “A bela adormecida” no “O Lago dos Cisnes” e pelas adaptações de grandes clássicos da literatura como “Romeu e Julieta”, “Sonho de Uma Noite de Verão” e “Manon”.

Pas de Deux do Ballet Manon – Coreografia de Sir Kenneth MacMillan
dançado por Jennifer Penney e Anthony Dowell

Há também trabalhos extraordinários, concebidos sem base em nenhuma “história”, como as jóias coreográficas deixadas por Balanchine.

Trabalhos surpreendente modernos foram concebidos por Roland Petit, Maurice Béjart, Jiri Kylián e Hans van Manen partindo dos mesmos passos de ballet, usando inclusive, sapatos de ponta.

Os resultados tem uma estética completamente nova, que incorpora aspectos da dança contemporânea como as malhas, os movimentos mais angulosos e en dedans e a falta de adornos em coreografias melhores descritas como “ballets contemporâneos”.

Imaginei que, talvez, com bons argumentos ( informações – em doses homeopáticas- e trechos dançados escolhidos a dedo) fosse possível mostrar uma outra face do ballet.

Escapar da visão preconceituosa com relação ao ballet clássico requer informação e boa vontade: informação para que visões distorcidas sejam corrigidas e boa vontade para assistir por alguns minutos às amostras, deixando-se encantar por elas.

Os trechos escolhidos para ilustrar esse e todos os textos que serão publicados tem como principal objetivo encantar e mostrar um pouco da diversidade estética possível a partir dos mesmos fundamentos: os da técnica clássica.

Bolshoi Ballet, Rubies

Rubis (Jóias) – Ballet Bolshoi

imagesCAML0SFK

Spartacus – Ballet Bolshoi

EC2388E7-6AEB-489F-84EF1708798B6357

A Filha do Faraó – Ballet Bolshoi

Hoje, nenhum deles será “lentinho” ou “branquinho”; não neste post. Ainda é cedo pra isso.

Pas de Deux de “Thais” – coreografado por Roland Petit
dançado por Lucia Lacarra e Cyril Pierre

Esta imagem de “branquinho” e “lentinho” é muito comum: enquanto dançava, cansei de ouvir gente me dizendo que não gostava de ballet porque “era muito parado”. Este comentário sempre me incomodou.

Talvez as litogravuras do século XIX, que eternizaram a imagem da bailarina etérea, dona de uma figura longilínea, pousada sobre a ponta de um dos pés, envolvida por um tecido diáfano, prestes à alçar voo tenham contribuído para isso, juntamente com as pinturas de Degas que mostraram as bailarinas sempre vestidas em tutus românticos, sem contar uma série de outras exposições muito estereotipadas do ballet nas mídias de massa, como desenhos e filmes.

343px-Sylphide_-Marie_Taglioni_-1832_-2

Marie Taglioni – La Sylphide

A imagem diáfana presente nas litogravuras corresponde à imagem que se tinha da bailarina durante o período romântico.

mt2

Marie Taglioni – La Sylphide

No entanto, como manifestação artística, o ballet é muito mais do que isso!! É muito mais versátil.
É isso que este blog se propõe a mostrar a cada post!

Pas de deux de “The Leaves are Fading” – Coreografia Antony Tudor
dançado por Altynai Asylmuratova e Konstantin Zaklinsky

O fio condutor dos textos será o meu próprio caminho de apreciação da dança.

O que me conquistou logo de cara, o que eu tive que estudar pra aprender a VER e a dar o devido valor e as coisas que até hoje eu não entendo e que ainda não me agradam muito, como “Lilac Garden”, para citar um exemplo.

Gostar de ballet no Brasil é complicado: é uma tarefa árdua. É um gosto incomum, difícil de alimentar e manter.

Hoje a internet permite que os itens de pesquisa sejam garimpados e adquiridos mais facilmente no mundo todo, sem sair de casa, mas nem sempre foi assim e alguns dos posts contarão um pouco desta verdadeira “caça ao tesouro”.

A Bela Adormecida: a 1ª pesquisa e o início da “caça ao tesouro”.

title00_mkv-00_08_22-00013

“A Bela Adormecida” numa versão do Royal Ballet, de Londres.
Fonte da foto: http://www.hdvdarts.com/titles/the-sleeping-beauty.html

Quando tinha entre 13 e 14 anos, o prof. de ballet mandou que todo mundo na minha turma fizesse um trabalho sobre ballet.

Mas não era tão simples assim: cada uma de nós recebeu um ballet para pesquisar. Ele começou a distribuição: O Lago dos Cisnes, o Quebra Nozes, Don Quixote, Giselle… o meu foi “A Bela Adormecida” ou “As Bodas de Aurora”.

Meio decepcionada, pois já sabia, de antemão que não tinha nada sobre este nos três únicos livros de ballet que eu tinha na época, fui em frente, atrás de informação pra fazer o tal trabalho.

Meu avô materno era um apreciador de música clássica e, entre seus vinis (ainda não havia CD’s naquela época…) ele tinha uma coleção com capas que “abriam”(como um grande livro quadrado) e, preso à parte interna da capa, havia um livreto onde constavam: uma pequena biografia do compositor e alguns detalhes sobre as obras gravadas no disco.

Lá fui eu, direto no volume sobre Tchaikovsky, o autor da música de “ A Bela Adormecida”.

Nada…

No disco e no encarte “apenas” os mais populares: “O Lago dos Cisnes” e “ O Quebra Nozes” além do também famosíssimo “ Concerto para Piano nº 1” e da versão de Tchaikowsky de “Romeu e Julieta”. Nada da “Bela Adormecida”.

E agora….
Eu já disse que os tempos eram outros: São José não tinha nenhum “grande Shopping”, e tinha uma única livraria: A “Guanabara”, que tinha como foco, a comercialização de material escolar.

Mesmo assim, foi de lá que veio a “fonte bibliográfica” do meu trabalho. Minha mãe achou e trouxe pra mim “ História da Dança” de Luis Ellmerich.

foto

Ufa! A “Bela Adormecida” estava lá… com a descrição do enredo, a enumeração dos principais trechos e algumas características históricas. Com base neste único livro fiz meu trabalho. ficou satisfatório.

1157742_501073989970867_2052009111_n

David Hallberg e Svetlana Zakharova em “A Bela Adormecida” em uma montagem do Ballet Bolshoi (foto: DAMIR YUSUPOV)

Variação do 3º ato: Evgenia Obraztsova

Variação e Adagio da Rosa com Alina Cojocaru numa montagem do Royal Ballet

Fotos e mais fotos
O curioso é que, até então, eu nunca tinha visto um ballet (uma grande montagem) ao vivo, mas eu lia sobre isso e achava interessante…

Em outro dos livros, havia muitas fotos e eu as achava lindas.

O que 1º me chamou a atenção no Ballet profissional, nas grandes montagens, não foi a dança ( o movimento) em si, mas o registro dela. As fotos que eternizavam os momentos breves de um equilíbrio, de um grande salto ou de um porté num Pas de Deux.

As fotos eram preto e branco… Eu as adoro até hoje. Acho mais dramáticas, mais atemporais, mais teatrais.

311644_244868975552394_1655530_n

Mikhail Barishnikov e Natalia Makarova
em “Other Dances” de Jerome Robbins, para o American Ballet Theatre

320174_244868642219094_6575871_n

Ekaterina Maximova e Vladimir Vasiliev
em Ícarus

302579_244868838885741_1693516_n

Altynai Asylmutarova e Faruk Ruzimatov
no “Grand Pas de Paquita”

foto_2 Num outro livro, “Ballet, Arte Técnica e Interpretação” da Dalal Achcar, tinha uma seção dedicada às grandes personalidades da dança até ali ( o livro é de 1980).

Margot Fonteyn, Rudolf Nureyev, Natalia Makarova, Anthony Dowell, Mikhail Baryshnikov, Fernando Bujones, Márcia Haydée, Richard Cragun, Carla Fracci, Lesley Collier desfilavam nas páginas em fotos belíssimas, em poses e passos que eu nem imaginava que pudessem existir.

foto_3
Eu achava lindo. E ainda acho.

Assim começou o que eu chamo até hoje de “Caça ao Tesouro”, uma vez que encontrar (BONS) livros sobre ballet ( especialmente em português) é uma verdadeira busca por raridades… Não há muita coisa.

Foi nesta época que eu entendi, uma outra coisa: se realmente quisesse pesquisar, teria que ler pelo menos em inglês, que eu já estudava há alguns anos. Arregacei as mangas, comprei “The Beauty of Ballet” de Fernau Hall, um livro muito resumido, mas com uma divisão bem didática da história da dança. Perfeito pra quem estava começando a estudar.

Ele foi meu ponto de partida. Munida de um dicionário ( ainda aquele livrinho de papel, da era pré-internet) comecei a lê-lo.

fotcapa

Fiz este mesmo “exercício de leitura” com incontáveis outros títulos, cada vez mais densos, agora escritos por autoridades como Lincoln Kirstein, George Balanchine, Serge Lifar, Arnold Haskell, Cyril W. Beaumont e tantos outros, que eu começava a descobrir: quem tinham sido, como tinham contribuído para a divulgação da dança e o quão importantes eram suas palavras para entender melhor esta arte que eu adoro!

Mas eles serão temas de outros posts.

Prólogo de “A Bela Adormecida” numa montagem do Royal Ballet de Londres.

Giselle: um grande clássico que demorou a me conquistar.

tumblr_m8l3u1tziO1qkgtumo1_500

Galina Mezentseva no 2º ato de Giselle

Depois de ter visto e me apaixonado pela intensidade e pelo brilhantismo de Don Quixote, Giselle foi uma decepção…

Vou explicar melhor: eu deveria ter uns 14, 15 anos, estava começando a querer saber mais sobre ballet. Minha busca por livros, ( na maioria das vezes importados e raros) extremamente difíceis de conseguir na era pré-internet, estava apenas começando.

Precisei evoluir na minha “caça ao tesouro” amadurecer e ler bastante, principalmente sobre o aspecto histórico e sobre as características do período romântico, para entender e dar o devido valor a este ballet, um marco na história do Ballet.

image

Mikhail Baryshnikov e Natalia Makarova em Giselle.
American Ballet Theatre. Década de 1970.
Em: Baryshnikov at Work – Alfred A. knopf. 1979

Foi preciso também ensaiar os 1os adágios, mesmo no corpo de baile, para ter uma  dimensão da dificuldade extrema e do controle físico necessário para executar com a fluidez que eu via nos vídeos, aqueles passos APARENTEMENTE mais “simples” e menos “pirotécnicos” do que os de Don Quixote.

Hoje, tenho até vergonha de escrever isso, porque aprendi que ballets como Giselle, o segundo Ato do Lago dos Cisnes, La Sylphide e Les Sylphides, são inimaginavelmente difíceis de executar.

image

Antoinette Sibley e Anthony Dowell em Giselle: à esquerda em ensaio e à direita, em cena.
Em: Sibley and Dowell – Collins 1976

A suavidade das subidas e descidas, a fluidez constante dos braços, que não podem, nem por um segundo denunciar o esforço absurdo realizado pelo resto do corpo no controle das “passagens” e das transições entre as posições, controle este que deve fazê-las parecer um eterno “deslizamento”, uma imagem que se transforma continuamente, fluida e sem dificuldade aparente.

Como tudo tem seu tempo, um dia aconteceu: Giselle me fisgou! Ganhei do meu pai um vídeo da tradicional série “Great Performances” da PBS, no qual Giselle era dançado por Natália Makharova e Mikhail Barishnikov.

51aCGuNmpAL__SY300_

Pronto! Estava feito!

Impressionada, principalmente pela beleza e pelo aspecto etéreo do 2º ato, com suas belas formações desenhadas pelo corpo de baile, com extrema plasticidade e sincronia, o ballet me cativou.
O que eu via era uma sucessão infinitamente bela de cenas, emolduradas pelo corpo de baile, o qual constituía um “cenário vivo”  e conduzia o olhar para as performances dos dois protagonistas:

AP770527066

Mikhail Barishnikov e Natalia Makarova ensaiando “Giselle”

O vitruosismo técnico de Baryshnikov, contribuindo deliberadamente com a intensidade dramática, foi marcante!

A sequência dos cabrioles depois do pas de deux do segundo ato era de tirar o fôlego!

Contorcido, em desespero, lutando até a última gota de suas forças para ganhar tempo e salvar Giselle da morte, esta sequência da filmagem me tira o fôlego até hoje!

Makarova fez sua Giselle frágil, com rompantes de vivaciade de acordo com o que a saúde frágil da personagem permitia, inocente e ingênua no 1º ato e foi etérea, lânguida e sofrida no 2º.

Irremediavelmente fã:

No entanto, o 2º ato de Giselle que me conquistou de vez e é, até hoje, o meu favorito (mesmo tratando-se de uma produção antiga, captada com bem menos qualidade de imagem do que os vídeos atuais) é uma gravação da montagem do Kirov, estrelada por Galina Mezentseva, Tatiana Terekhova e Konstantin Zaklinsky.

playbill_2269_72632187

Que trio!!!
A Giselle da Mezentseva é incrivelmente debilitada, frágil, e sonhadora, despertando empatia e compaixão, a partir do momento em que surge em cena.

Zaklinsky é príncipe. Ponto! Nobre, elegante, não perde de vista o personagem em nenhum momento, mesmo durante os trechos técnicos mais exigentes. No segundo ato, sua devoção à Giselle é total. uma entrega constante, marcada pelo arrependimento e pela aceitação do castigo de Myrtha.

A Myrtha da Tatiana Terekhova é, pra mim, a melhor que há gravada em vídeo comercial. Nem nas versões mais atuais alguém conseguiu fazer uma Mytha tão amarga, tão controlada, porém enérgica e constantemente no comando das outras wilis. Ela é a líder. Impõe respeito em cena.

Um marco:

Gisele representa o áuge de uma época: a do ballet romântico. É uma peça composta por um forte contraste entre: um realismo vigoroso, habitado por personagens de carne e osso, pertencentes à nobreza e à classe camponesa, repleto de referências a festas e danças locais no 1o ato e a pura fantasia, num local habitado por seres imateriais no 2º.

As Willis, juntamente com as Sílfides, as Ondinas, os Elfos e Gnomos são personagens frequentes em peças de inspiração romântica e assumem definitivamente os postos ocupados pelos deuses do Olimpo e pelos personagens da mitologia grega, nos ballets dos períodos anteriores.

Em Giselle, pela primeira vez, o teatro (o drama) foi inserido harmoniosamente com a coreografia, permeando-a de forma fluida e indissociável.

A centralização do tema em um personagem feminino ( Giselle) é outra característica do Romantismo do século XIX, mas isto é assunto para outro post…

A música:
A música de Giselle, tão criticada pelos conhecedores “eruditos” de música, desempenha exemplarmente seu papel como “fundo musical” e auxilia, com seus “leitmotifs” (temas de dança) muito claros a identificação dos personagens ou temas correspondentes, facilitando a narração “não verbal” do enredo do ballet.

A composição da coreografia calcada no desenvolvimento destes “leitmotifs” ou “temas de Dança” foi uma grande inovação em Giselle, a qual viria a se repetir posteriormente em clássicos como “A Bela Adormecida” e muitos outros.

Outras Grandes:
Carla Fracci, Lynn Seymour e Alessanda Ferri também interpretaram Giselle maravilhosamente. Felizmente, suas apresentações foram registradas em vídeo e estão disponíveis até hoje para colecionadoras como eu!

O figurino:
Ahhh sim: Antes que alguém critique as roupas brancas, longas e praticamente iguais: elas têm uma razão de ser: de acordo com alguns livros, como as willis morriam na véspera do casamento, eram enterradas vestidas de noiva.

Por isso a roupa branca e o véu, que, em algumas versões, permanece durante toda a entrada do 2o ato. Como na versão do Dutch National Ballet disponibilizado comercialmente pela Kultur (capa abaixo).

663-DEFAULT-l

É um consenso porém, que o chamado Tutu Romântico (o vestido longo de tecido vaposo), que se agitava com os passos, iluminado pelas lâmpadas a gás e posteriormente pelas elétricas, ajudou a criar a silhueta ideal para representar o aspecto etéreo, incorpóreo e sobrenatural das personagens da era romântica, conferindo um aspecto de leveza e fluidez aos movimentos que pareciam estender-se e prolongar-se, em função do efeito esvoaçante das saias.

A dança nesta época era mais focada no trabalho dos pés, em franco desenvolvimento principalmente por causa do surgimento e da consolidação dos sapatos e da técnica de ponta.

Ao Vivo e nos cinemas:
A primeira vez que vi Giselle ao vivo, foi com o Kirov. Altynai Asylmuratova, uma das minhas grandes favoritas, era Giselle!

Infelizmente ela foi substituída no segundo ato por Irma Nizoraide, o que foi muito decepcionante. O corpo de baile estava impecável, e a apresentação foi memorável!!

A última vez que vi Giselle foi no cinema: em uma transmissão “ao vivo”, com o Ballet Bolshoi.

Uma maravilha que a tecnologia digital tornou possível.

Assistir o ballet no cinema, naquela tela gigantesca foi uma verdadeira “imersão”, um “sonho de consumo”.

Descontados os aspectos característicos e inevitáveis de uma transmissão, onde vemos o que o diretor de vídeo decidiu nos mostrar, a experiência é muito válida. Eu adorei e repito sempre que posso.